segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Livro: Cobras e Lagartos


Autores: josmar josino (Reportagem)
2005 260 Páginas
ISBN 8573026588
R$ 44,90 Reais (Preço sugerido)

A vida íntima e perversa nas prisões brasileirasQuem manda e quem obedece no partido do crime

"A historia do crime não se contará sem referência a este livro" – Luiz Eduardo Soares

Este livro revela a crueldade, o cotidiano, a vida promíscua e desesperada das principais prisões brasileiras. Cobras e Lagartos apresenta também os momentos mais importantes da formação do Primeiro Comando da Capital, mais conhecido como Partido do Crime ou, simplesmente, PCC.
Jornalista há mais de 20 anos e repórter policial experiente, em 2003, Josmar Jozino sofreu uma suposta ameaça de morte por presos ligados ao crime organizado e passou meses acompanhado de escolta particular. Nessa época, o repórter decidiu contar tudo o que sabia a respeito do PCC: sua fundação, seu funcionamento e seus atos criminosos, além de casos polêmicos envolvendo os presos, a polícia, o sistema prisional e várias autoridades.

Assim, escreveu Cobras e Lagartos, livro baseado em suas investigações, informações de suas fontes e depoimentos das mulheres dos presos, muitas delas grandes amigas do repórter, depois de anos de convivência.
Caveirinha, apelido do repórter, ficou conhecido em São Paulo por ter o telefone das primeiras-damas dos chefes mais poderosos do Partido do Crime, conseguir informações de bastidores e ser sempre um dos primeiros, senão o primeiro, a saber, dos últimos acontecimentos envolvendo o PCC.

A partir da história de Sombra, famoso ladrão de jóias e de bancos, Caveirinha reconstrói toda a história da facção, que se tornou uma força cada vez maior dentro e fora dos presídios paulistas. Bem organizado, com centrais telefônicas clandestinas à disposição, esquemas de recolhimento de dinheiro para o financiamento de compra de armas e drogas, corrupção de funcionários dos presídios e contando com um verdadeiro exército de "lagartos" para executar ordens nas ruas, o PCC transformou-se em um grande desafio para as autoridades paulistas.

Passando pelas vidas de seus grandes chefões, pelas rebeliões nas prisões, atentados e outros crimes atribuídos ao PCC, o autor tece com clareza a trajetória do crime organizado em São Paulo nos últimos anos. O repórter esmiúça uma história repleta de emoção, mas também de atos de crueldade, com a autoridade de quem a conhece muito bem e de perto.

Josmar Jozino é jornalista desde 1984 e depois de passar por vários jornais e rádios de São Paulo, trabalha hoje para o Jornal da Tarde como repórter de polícia. Ganhou o apelido de Caveirinha dos colegas de redação do Diário de S. Paulo, já que era muito magro e fumava muito. Profundo conhecedor da dura realidade dos presídios brasileiros, já foi contemplado com a menção honrosa do prêmio Wladimir Herzog de Direitos Humanos por uma série de reportagens.

Depoimentos sobre "Cobras e Lagartos"

Eis aí um livro irresistível e impressionante, que assombra, comove, perturba nossas certezas e guarda relíquias preciosas: as pequenas histórias de vida que se entrelaçam, formando o destino que o crime torna comum. As cenas de crueldade não devem nos iludir: esta não é uma obra sobre a violência, mas sobre o equívoco de supor que as portas do presídio dividem o mundo entre o bem e o mal. Quem criou o PCC, diz um dos fundadores, foram alguns presos e a direção da penitenciária, porque a brutalidade do Estado é cúmplice do ódio. Aprendemos, com os relatos diretos, secos e intensos, que a reincidência não é um resultado, é um pressuposto, um destino atribuído e reforçado institucionalmente. A história do crime não se contará sem referência a este livro. E há muito tempo, infelizmente, a história do Brasil já não se conta sem alusão ao crime.

- Luiz Eduardo Soares, antropólogo, cientista político, ex-coordenador de segurança, justiça e cidadania, do estado do RJ, e ex-secretário nacional de segurança pública.

"Cobras e lagartos" revela diferentes faces de um desatino. Detalhes da grande rebelião nos presídios de São Paulo, do nascimento de uma facção criminosa, da conivência e corrupção de autoridades, da prostituição infantil nas celas do Carandiru. O livro conta os bastidores de um sistema que parece funcionar como um moto-contínuo, uma rosca sem fim que, como um furacão, devasta instituições, vidas e sonhos. Um furacão que ameaça tragar todos nós.

- Fernando Molica, jornalista e vencedor do prêmio Wladimir Herzog 2004 - categoria reportagem TV.

Aqui vemos a tragédia das nossas prisões; aqui vemos a aflição e a agonia dos parentes de presos. Aqui vemos amores entre grades; ódio sem igual; medo da morte, mesmo a morte sendo eterna companheira de cela. Aqui vemos nascer e florescer o crime organizado dentro das cadeias.

Josmar Jozino nos conduz pelos corredores sombrios e imundos de nossos presídios. Com poesia, com sensibilidade, com pesquisa, com coragem, o competente repórter disseca uma história da qual sempre se falou muito, mas pouco se soube a respeito: a fundação de uma das mais atuantes organizações criminosas do País. O PCC.

Neste livro-reportagem – rico em detalhes e episódios marcantes -, aprendemos que os lagartos são os soldados da facção. Aqueles que obedecem as lideranças, os cobras. E o mais intrigante: aprendemos que os presos formam um exército com grande poder e influência na vida de quem se diz livre, nós? Ao fim da leitura, percebemos nitidamente que não é o sistema prisional que está falido. É nossa própria sociedade. Sem baixo astral, é livro de impacto. Obra de qualidade.

- César Tralli, jornalista, repórter investigativo e apresentador da TV Globo.

Amor Bandido

Elas desafiam o bom senso e procuram namorados nas cadeias. Eles abandonam as parceiras na prisão.

ROMANCE











Cristiane, de 25 anos, não gosta de homem honesto

Elas não temem a fúria dos homicidas nem a frieza dos seqüestradores. Tampouco se importam com a astúcia dos assaltantes ou a violência dos traficantes. Há mulheres que desafiam o senso comum e vão à procura de namorados nas penitenciárias. Para conseguir uma vaga no coração de um ladrão, elas encaram até o constrangimento das revistas, em que cada milímetro do corpo é inspecionado. As moças são enfeitiçadas por carta e telefone ou convencidas a experimentar um affair atrás das grades por um parente ou amigo detento. Classificados e programas de rádio estão sempre na mira dos detentos. Na fase da conquista, as moças vivem tórridos romances. Depois os afagos se transformam em controle e, muitas vezes, em agressão. Apesar de todos os embaraços, algumas fazem do amor bandido um projeto de vida.
A recíproca não é verdadeira. Ao fim da luta pela igualdade entre homens e mulheres atrás das grades, as detentas de São Paulo conquistaram o direito à visita íntima no ano passado. A comemoração durou pouco. Logo se descobriu que a maioria havia sido esquecida pelos maridos. Apenas 5% das presidiárias recebem visitas do companheiro, contra 75% no sistema prisional masculino.
Ao contrário dos homens, as mulheres costumam ter posição secundária no mundo do crime. Quando são presas, perdem o lugar e os rendimentos. Sem vantagens para oferecer, elas são logo substituídas no coração volúvel dos namorados. Os homens, não, eles mantêm a vida amorosa e os negócios funcionando no mesmo ritmo de quando estavam nas ruas. Em solidariedade aos solteiros, os presidiários arregimentam primas e amigas. Alguns detentos têm três ou quatro namoradas ao mesmo tempo. O famoso traficante Luiz Rodrigues, o Chacrinha, tinha oito na extinta Casa de Detenção. Só não arrumou mais porque foi morto durante uma rebelião.
Dois meses depois de terminar o casamento com um ex-presidiário, Cristiane da Silva Lima, de 25 anos, resolveu investir num novo romance. Escolheu um homicida da Penitenciária do Estado, na Zona Norte de São Paulo. Trocou dúzias de cartas e juras de amor com o matador. No mês passado foi conhecê-lo. Passou a madrugada preparando maionese, macarrão, torta, bolo e pudim. Um "jumbo" de respeito para o pretendente. Às 7 horas da matina saiu de Cidade Tiradentes, na Zona Leste da capital paulista.
Chacoalhou dentro de um ônibus durante uma hora. Tudo em vão. Como numa história de folhetim, a falta do RG a deixou do lado de fora, aos prantos. Dias depois, soube por uma amiga que o homicida já tinha mulher. "Lá eu não volto mais", garante. Aprendeu? Nada.
Menos de 24 horas após o rompimento, o coração da moça foi fisgado num Chat da internet por um "moreno forte". O dom-Juan cibernético não se intimidou com o risco de ser pego em falta disciplinar e punido com uma temporada na solitária. Tratou de seduzir a moça e agora espera pelas visitas.
Do lado de dentro dos muros, eles mantêm mão-de-ferro. Pobre da mulher que não andar na linha. "O meu namorado me controla. Os amigos dele contam tudo o que faço na rua", diz Vanessa Corrêa, de 18 anos, apaixonada por um seqüestrador. "Gosto das coisas difíceis e do jeito nervosão e estúpido dele", conta. O cupido foi um detento amigo da moça. O primeiro contato aconteceu por telefone. "Conversamos durante um mês e resolvi arriscar", diz.
É comum a polícia, nas escutas telefônicas, interceptarem romances em vez de informações estratégicas. "Vou te levar num lugar cheio de homens legais e lindos", dizia uma operadora de uma central telefônica clandestina, a uma amiga solteira. O convite para visitar uma penitenciária foi registrado num grampo. Há três anos, um mega casamento no Carandiru oficializou a união de 111 casais. Quatro em cada dez pares haviam iniciado o relacionamento atrás das grades.
"Só tenho namorado de cadeia", declara Michele Teixeira, de 19 anos. O primeiro era estelionatário, o segundo ladrão de banco, o atual puxava carros. Todo domingo ela gasta quase duas horas no trajeto entre Diadema e a Penitenciária do Estado. Ainda não levou o filho para o parceiro conhecer. "Ele assumiu o menino e me ajuda com algum dinheiro", conta. Na parede da cela, Eduardo pendurou fotos de Michele e do bebê. Guarda os pertences dela na prateleira: creme hidratante, xampu e escova de dente. A estudante explica a atração fatal com ar maroto. "Gosto de aventuras", diz.
Na classe média, namorar homens bem formados e endinheirados confere status. Nas comunidades tomadas pela criminalidade o amor bandido pode ser sinônimo de ascensão social. "As pessoas não conseguem me olhar, tem medo", conta Michele. Há dois meses, ela escapou de uma suspensão porque a diretora da escola foi avisada de que a garota namora um criminoso.

PAIXÃO












A ., de 18 anos, esconde da família o romance com um detento

SEM MARIDO












A assaltante Rita despista a solidão fazendo o crochê que decora a cela

Os Dom-Juans preparam-se com afinco para o dia mais importante da semana, o da visita. Os aficionados de exercícios físicos improvisam halteres com cabos de vassoura e garrafas de refrigerante. Passam horas correndo e esculpem os bíceps e o tórax com flexões. Cuidam da alimentação como podem. Ovos crus, considerados afrodisíacos, são desviados da cozinha. Amendoim e achocolatados completam a dieta dos que desejam melhorar a performance sexual. Usam todos os artifícios possíveis para manter a mulher. Longe das grades, os romances tornam-se rarefeitos. Em geral, acabam depois que os galãs vão para as ruas.
Na véspera do grande dia, os presos cortam o cabelo e fazem o mutirão da limpeza. Lavam cada canto, expulsam todo o pó. Ajeitam as camas e trocam os lençóis. Tapam com toalhas os pôsteres de mulheres peladas nas paredes. Nenhuma roupa íntima pode ficar à mostra. Andar sem camisa, então, nem pensar. As visitas são sagradas e sempre tratadas com respeito. As leis da detenção são seguidas à risca. Quem desafia os preceitos não recebe perdão. A pena mínima é um corretivo, a máxima é a morte.
Os detentos andam de olhos baixos, com as roupas sempre limpas e bem passadas e os sapatos lustrosos. Não encaram as moças e quando lhe dirigem a palavra as chama de senhora. Só fazem a corte com a permissão do anfitrião, como nos tempos antigos.Num domingo de 1997, no Carandiru, um viciado em crack cedeu a mulher a um traficante para quitar dívida de drogas. No dia seguinte os dois foram "justiçados" por causa da pouca-vergonha.
As benesses da vida bandida - mesada graúda e roupas de grife - são para poucas. O ex-chefão do PCC José Márcio Felício, o Geleião, conheceu a esposa, Petronilha Maria Carvalho Felício, quando ela fazia um trabalho voluntário na cadeia. Policiais e promotores contam que Geleião, um valentão condenado há 62 anos por homicídio, roubo e estupro, revela-se um sentimental quando fala em Petrô. O casal protagonizou o maior golpe no PCC ao delatar nomes, estrutura e ações da facção no ano passado. Está jurado de morte.

VIGILÂNCIA












Mesmo atrás das grades, o namorado de Vanessa controla todos os seus passos.

SOBREVIVÊNCIA












Enquanto faz simpatias para o marido voltar, a traficante Cida corteja as moças

O perfil do anti-herói também causa frisson em meninas bem-nascidas. "A mulher moderna quer ter o controle do relacionamento", avalia Jesus Ross Martins, ex-diretor da Casa de Detenção. "Quando ela se envolve com um preso, o relacionamento é estável e a decisão de visitá-lo ou não é só dela", diz. O fascínio pelo desconhecido e o espírito transgressor são ingredientes que podem temperar a inclinação. Uma história recente foi o casamento da cantora Simony com o rapper Cristian de Souza Augusto, o Afro-X. Ele ganhou liberdade condicional em julho do ano passado, depois de sete anos de cadeia.
Nos anos 80, a jornalista Marisa Raja Gabaglia envolveu-se com o cirurgião plástico Hosmany Ramos, condenado há 21 anos. A filha de um político carioca namorou o traficante Roberto de Moura Lima, o Meio Quilo.
Não existem romances do gênero nas prisões de mulheres. As celas femininas são territórios de solidão. Ter mulher atrás das grades não confere prestígio nem proteção ao homem. Quando o marido possui ficha limpa, geralmente não aceita uma criminosa.
"Tinha certeza de que ele ia me deixar. É muita humilhação", desabafa Claudinéia de Oliveira, de 26 anos, dois filhos. O relacionamento de 14 anos não resistiu à prisão. Condenada a mais de uma década por assalto à mão armada, ela passa os dias escrevendo. Acumulou 38 correspondentes simultâneos. Já tentou "abanar", o ritual no qual as moças, do pátio ou das janelas, trocam sinais com os enclausurados da Penitenciária do Estado, a 100 metros dali. As mais afoitas gritam. As solitárias acenam lenços. Agora Claudinéia arranjou um pretendente preso em Pirajuí, no interior de São Paulo. Trocam 20 cartas por semana. Vale tudo: poemas recortes de revistas e piadas. "Só o conheço por foto. Mas já fazemos planos", diz.
O lesbianismo, inclusive o circunstancial, é comum nas cadeias. "As chances de uma mulher conseguir um namorado depois de presa são mínimas", diz Maria da Penha Dias, diretora da Penitenciária Feminina da Capital. Detida pela sexta vez, a última por tráfico, Maria Aparecida da Silva, de 30 anos, tenta driblar a solidão paquerando as companheiras. Em um ano, já namorou duas. Cida não se conforma por ter sido desprezada pelo marido, mecânico, com quem teve seis filhos. Mandou cartas, pensou em suicídio. Vive às voltas com simpatias. Todas as tardes, ela se agarra às grades da janela e entoa um mantra: "Ta louco, Cearense, volta pra mim. Eu te amo".


Enquanto 75% dos presos namoram apenas 5% das detentas têm visita íntima.